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The Leftovers By





Episodio 1x1 - Nota 8.5 2017-03-18 13:40:41

Gosto muito da ideia de manter os desaparecimentos e os dramas daqueles que ficaram em um mesmo tom de destaque, sem prejuízo de um ou de outro. Essa consonância deve render bastante à história porque após todas essas pessoas sumirem de forma tão misteriosa e sem explicações mesmo após três anos, uma onda de fanatismo e espiritualização é óbvia, por toda a teologia sobre os arrebatamentos que anunciariam uma era de grandes tribulações, acontecendo para justamente livrar os escolhidos de Deus das grandes dores e sofrimentos. Contudo, esses escolhidos seriam seres de virtude, o que é contradito pelas narrativas de que pessoas ruins ou que praticavam males constantemente foram levados. Não sei até que ponto os cultos pretendem tomar esse desaparecimento como um engano, como um sacrifício que seria o oposto do livramento.

Episodio 1x3 - Nota 9 2017-03-20 22:43:12

Chama a atenção o fato da mãe de Sam ser referida nesses dois episódios, além de ter aberto a série com todo o drama, primeiro da sobrecarga que estava enfrentando, depois com o sentimento de desolação ao se dar conta que o filho tinha desaparecido. Isso pode insinuar que devemos olhar a história pelo ângulo que nos é mostrado, não por quem foi levado, mas por quem ficou, porque foram poupados ou castigados.

A história do Reverendo serve, entre muitas outras coisas, pra mostrar que pessoas boas podem fazer coisas ruins, ainda que compreensíveis. Exibe o que já sabemos, que independente de passarmos uma vida de boas ações, em uma situação crítica nosso instinto pode ser capaz de tudo, ao ponto de não nos reconhecermos nos nossos próprios atos.
Aqui, crente num chamado superior, numa comunicação divina, como se Deus estivesse a lhe falar através de seus sinais caprichosos, o Reverendo assume a missão de seguir o caminho ao qual crê que foi levado. Ele sente, desde pequeno, que uma força poderosa e muito superior a ele, escuta suas súplicas, acode suas tribulações, como quando pediu a atenção que a irmã tinha. Mas ele também foi ensinado, a partir de sua própria experiência, que essa força tem modos estranhos de conceder graças. Pra receber seu pedido, o sacrifício de sua saúde foi exigido. É aquela história de Deus ter caminhos que não entendemos para realizar algo que queremos. É um dos mistérios que o envolvem.

O grupo que crê nos arrebatamentos tem uma obstinação que ele sabe qual é, porque a tem, mas não lhe enxerga o sentido porque sua crença não permite. Mas eu desconfio que seja mais uma crença nele mesmo, como um escolhido, do que em alguma instituição.

No mais, que história incrível e que modo instigante de ser contado (me lembrou muito Lost e o ator que faz o padre, Ben - porque podemos fazer muitas críticas a Lost, menos a de que ela era desinteressante ao contar uma história individual).

Episodio 1x4 - Nota 8.5 2017-03-21 11:47:57

Pelo que vai dando pra entender, parte dos problemas de Kevin com os filhos é pela traição. Explicaria Jill se comportar daquela maneira insuportável diante do pai, por culpá-lo pela escolha de Laurie em abandonar tudo e seguir o grupo. Mas me parece que ela mesma não sustenta essa culpabilização e é algo anterior à adesão.

Não entendi se o intuito de retirarem as fotografias é o de impedir que se reproduzam e sepultem os desaparecidos como espécies de bonecos, algo que a instituição dos Loved Ones faz. Se os que vestem branco acreditam no arrebatamento (ou coisa similar) e em todo o acontecido como algo inevitável, por isso se despem de suas vaidades e passam a avisar outros, é compreensível que não queiram tomar os desaparecidos como mortos. Agora porque danado eles usam justo o fumo como um dos pilares do grupo, eu realmente não faço ideia...

Sobre a gravidez da menina, apresentada nesse contexto do Natal, é inevitável pensar que é uma analogia à concepção do Cristo ou do Anticristo (sendo o Anticristo, a teologia do arrebatamento se confirmaria), sendo Wayne essa figura que ora parece charlatã, ora parece genuinamente mística.

Episodio 1x5 - Nota 8.5 2017-03-22 11:02:47

Que tristeza e crueldade nesse assassinato! Remanescentes Culpados podem não atrair simpatia, mas mal eles não fizeram a ninguém pelo que foi mostrado. O chamamento é insistente, irritante pra muitos, mas porque os perturba, não por ser violento. E, de fato, o que aconteceu a Meg, por exemplo, de ser chamada e realmente ser aquilo que ela resolveria abraçar, aplica um sentido de comunhão entre eles, de ligação, apesar de terem por voto o desprendimento com relação a bens materiais e confortos emocionais. A partir do momento em que se filiam ao grupo, é natural que mantenham esse compromisso com sua crença e com aqueles que a dividem. O apego é seu maior sacrifício, o mais difícil, o mais triste. Mas isso não anula a solidariedade entre eles, nem apaga as marcas da convivência. Seu modo de ver todo o processo do evento é que ainda não foi compreendido. E, como ficou claro, muitos grupos como aquele, muitos cultos e devoções se multiplicaram a partir dos desaparecimentos. Agora, o diferente provoca reações sempre muito violentas em sociedades fechadas em seu modo de vida, fechados na incapacidade de respeitar o outro. É a hipocrisia dos que se denominam “cidadãos de bem”. E isso tem em todo canto, em todos os cenários. Assim como os que se qualificam como enviados, escolhidos.


Episodio 1x6 - Nota 8.5 2017-03-24 15:43:35

“Você acredita que o que partiu está num lugar melhor?”

Talvez seja a pergunta mais cruel do teste para os crentes que consideram a negativa. O consolo daqueles que acreditam na vida após a morte, ressurreição ou reencarnação, juízo final, descanso ou danação das almas, é que o desaparecido/morto esteja em paz, em um lugar de consolo. Acreditar no contrário é se abrir à angústia de saber que o ente amado está em sofrimento, em tortura.

No caso de Nora, a pergunta, que ela faz questão de dizer ao chefe, respondeu sim nas três vezes (é sempre chocante quando refere as três perdas), é mais sobre memória. Se na memória dela, seu marido e filhos estariam louvados, honrados. Daí sua única resistência a Wayne ter partido da dúvida se os esqueceria, algo que não perdoaria em si, que não admitiria.

No mais, é instigante esse processo de apresentação de algumas farsas entre os grupos que acabaram lidando comercialmente com os desaparecimentos. Em meio a tanta desconfiança, os Remanescentes Culpados se distanciam um pouco dessa característica e Wayne, apesar das cobranças, consegue transmitir algo realmente genuíno. A questão é se isso vem de uma esfera boa ou má, ou de como vão relativizar essas noções na série.

Episodio 1x8 - Nota 9 2017-03-26 13:20:56

Ainda não tenho certeza se Patti se preparou pra morrer ou pra testar Kevin. Assim como não acredito no que ela contou sobre Gladys... Parece que tudo foi pensado pra fazer deles o aviso sobre o temido fim, não o fim de tudo, mas o fim da humanidade como ela se organiza, o início de uma era sagrada, onde os bons serão salvos, alguns testados para se revelarem ou não merecedores da glória. Ao mesmo tempo, tentam fazer os que partiram como memória viva. Não tinha entendido a razão de roubarem as fotos das casas dos que partiram. Mas eles mesmos encomendam os bonecos, indo contrários a Wayne e sua proposta de fazer a dor passar. Os que vestem branco querem a dor latejante do desconforto até que ela não doa mais, até que eles sejam tão despidos dos sentimentos que não a sintam, como anjos a serviço de Deus, sem destino próprio a não ser o de servir ao sagrado e se comunicar com os humanos. Pelo menos isso se desenhou bem, apesar de suas constantes falhas em seguirem firmes no seu propósito, sendo Laurie o maior exemplo, com todo o apego em relação à filha.

Aliás, Jill vai se desenvolvendo quase sem sentirmos, como a criança que lidou com o que encara como rejeição desde cedo. A mãe a abandonou com o pai adúltero. O irmão também a deixou para seguir mais uma das crenças que se proliferaram depois do 14.10. Sua atitude mais terna ainda foi com o avô, que pareceu realmente vê-la, mesmo em sua “loucura”. Sua generosidade foi destinada ao cachorro doente, louco, quando o libertou daquela agonia (apesar daquilo também significar uma vingança ao pai). Vamos compreendendo sua aproximação com Aimee, sua acolhida a ela, porque a tolera tanto. Sua história não está clara, mas ela parece de fato só, sem a presença física de ninguém de sua família. A solidão as aproximou, apesar de Jill ter contato com os pais, o avô, mas estar largada à sua própria iniciativa de sobreviver a tudo aquilo, de crescer sendo renegada pela figura a quem é tão leal, Laurie. No começo a achava muito mimada, mas a menina se desgosta tanto, com tudo, que essa face de abandono foi se sobrepondo. Ela sabe que precisa da mãe, como um acerto de contas consigo e com o mundo e sacrificou muito ao se aproximar dos RC.

Agora, sobre os lapsos de Kevin, não consigo sequer pensar em que tudo aquilo revela à série. Algo que chama atenção é que, na sua rememoração, quando vê as camisas, lembra imediatamente de sua atitude com o dono da lavanderia. Não só esse ponto, mas toda a sua conduta, aponta para o fato de ser, no fim das contas, uma pessoa boa, sujeito a algo que não está inerente à sua personalidade, como querem fazer parecer. Outra questão é sobre o assassino de cachorros. Patti disse que ele é uma incógnita e, de fato, vem mostrando a Kevin que toda essa confusão se resolve nessa esfera material, palpável: a ideia de “mate e resolva seus problemas”. Ao contrário, o pai de Kevin quer trazê-lo para uma batalha que é muito mais espiritual ou, na dúvida, imaterial, já que não se sabe até que ponto essas causas religiosas se manterão como uma explicação para o 14.10. Se o assassino de cachorros tiver mesmo como objetivo desviar Kevin de sua missão, é muito mais importante para a história do que aparenta.

Episodio 1x9 - Nota 10 2017-03-30 17:21:14

Episódio absolutamente necessário pra entendermos como o 14.10 não foi um evento para atingir somente os levados, mas também os que ficaram, com consequências paradoxais e igualmente dolorosas. A primeira é a dor, não apenas do luto, mas da culpa. Dos casos que foram apresentados, os levados estavam representando um peso para os que ficaram, por mais cruel que isso pareça, por mais que isso não queira ser reconhecido. Isso fica evidente no caso de Nora. E visitarmos a casa dela naquela manhã faz termos uma dimensão do porquê aquela necessidade de lembrar, de sentir a ausência, de conservar a culpa que só foi amenizada pelo inexplicável dom de Wayne, quando ela chega em casa e consegue mudar o rolo de papel-toalha que permanecia ali desde que fez a filha chorar, pela sobrecarga que representava. Sua família ter sido levada pode não significar necessariamente apenas uma punição a ela, mas o foi. Foi uma lição sobre o perigo de desejar, mesmo que no mais íntimo, a ausência daqueles entes queridos.

O mesmo aconteceu à mãe desesperada do primeiro episódio. E a Laurie, que até poderia querer o filho, mas certamente pensou no inconveniente da gravidez naquele momento, quando o casamento se esfacelava. Aliás, esses dois casos inevitavelmente lembram o versículo de Mateus que diz “ai das grávidas e das que amamentarem naqueles dias”. O texto bíblico termina dizendo que as tribulações daqueles dias foram abreviadas apenas por causa dos escolhidos. O que pode significar que os que ficaram são a razão de tudo, não os que partiram. Todos eles um lembrete da paradoxal natureza de Deus, piedosa e vingativa. Isso explicaria Kevin e Laurie se sentirem inquietos naquela zona de conforto, assim como as profecias de Patti.

Aqui, o momento mais revelador do episódio, pra mim, justamente após o provável suicídio de Patti no episódio passado. A conversa dela e Laurie explicou algo que até então ficara sem justificativa, ter deixado um saco de fezes na porta de um tal Neil quando as duas passam aquele dia afastadas do grupo. Ali, em mais uma conversa franca, Patti testa Laurie (como fizera com Gladys, a antes simpática vendedora de cachorros), testa sua lealdade ao RC, à crença que sustentam com tanta firmeza. As duas são chamadas a acertar as contas com seus passados e Patti faz o que Laurie aconselhou na consulta de antes do evento. Naquela ocasião, disse que nem isso, nem qualquer outra coisa seria capaz de parar os avisos sobre o fim do mundo, ou o próprio fim. Disse também que Laurie sentia o que estava acontecendo, algo errado dentro dela. E literalmente algo está nela, o filho que concebeu e perdeu para o anúncio do fim do mundo. Assim como Kevin, ela sabe que há mais a se fazer no mundo do que cumprir o papel que todos acreditam como sendo o fim, há algo além de formar uma família e criar os filhos, algo que poucos saberão sentir, muito por causa de uma mentalidade cartesiana que se impregna no mundo moderno.
O interessante é que o veado aparece como um aviso do que está pra acontecer, como um mensageiro que saiu marcando aqueles que desapareceriam: ele esteve na escola dos filhos de Nora; na casa dos pais que ela visita e que perderam o filho com síndrome de Down, o qual conhecemos nesse episódio; na floresta, a Kevin, que perdeu um filho sem nem saber da existência; atropelado pela mulher com quem Kevin traiu Laurie, também levada; o veado que reaparece a Kevin depois do fatídico 14.10, é caçado pelos cachorros que enlouqueceram naquele dia, como se existissem para evitar uma segunda leva; cachorros que são assassinados pelo homem misterioso que tenta fazer desabrochar em Kevin sua natureza ruim, feroz.

Por fim, cabe destacar a cena da feira de ciências, com uma Jill doce que não mais reconhecemos. Ela e o irmão (entendemos a razão pra assumir a missão de proteger Christine... ela lembra a situação pela qual sua mãe passou) participam do experimento da física em que uma corrente de pessoas é necessária para acender a luz no centro. Quando alguém falta, a luz apaga. No universo religioso, um dos princípios básicos é o da comunhão, do fortalecimento e consonância entre os membros. Se um se desloca, todo o corpo de crentes sofre. É uma metáfora sobre sobrevivência.

Episodio 1x10 - Nota 10 2017-03-31 10:58:58

“It’s a girl”. Está no balão que Kevin encontrou no episódio passado. Agora, Jill é devolvida; Nora é presenteada com a filha do homem que aliviou sua dor e atendeu ao pedido de Kevin (provavelmente de reconstituir sua família); o filho de Laurie aparece como o fôlego de esperança para a mulher totalmente perdida que se encontra na estátua, ela mesma, naquele momento, inerte. Esse episódio traz, apesar do consolo final, a evidência de que nada poderá ser reconstruído, reparado, retornado. As pessoas devem se ajustar às suas perdas, nem que elas pareçam se sobrepor à própria vontade de sobreviver. Patti tentou preparar as pessoas para o desapego, missão para a qual doou tudo, a vida e a memória. Sabendo do que se avizinhava, a destruição que abateria os RC, só resta a ela recorrer a Kevin, tentando fazê-lo ver sua missão, despertando-o para algo que ele já experimentou, para o chamado que ele já ouviu.

Não é à toa que a leitura de Jó é feita na cova improvisada. Jó perdeu tudo, mas se manteve leal a Deus, podendo encontrar a qualquer momento, o consolo enganoso do demônio que o pôs à prova. Mais uma vez, Wayne é associado a uma tentação doce pelo consolo enganoso, ele mesmo sem saber se é uma fraude. O alívio que ele dá não é eterno, é um paliativo. Nora sabe disso, Kevin o experimentará. O mesmo Kevin que cedeu ao apelo do homem que não soube se livrar da morte e que, por isso, não pode ser Deus. Nesse sentido, eu sou bastante curiosa sobre como Leftovers encaminhará as questões sobre o 14.10. Se seguirá a partir desses princípios religiosos em específico. Se a abertura denuncia algo, é justamente o arrebatamento a uma luz incandescente, que pode ser gloriosa ou catastrófica.

Episodio 1x10 - Nota 10 2017-04-06 23:22:48

ahahaha, obrigada. Essa série comunica muita coisa pra mim, nesse sentido religioso, por ser uma experiência de crença que um dia tive. E eu adoro a temática. Ansiosa pelo retorno ^_^

Episodio 2x1 - Nota 9 2017-04-06 23:38:23

O Antigo Testamento está repleto de citações sobre os rios que Deus faria secar como um sinal de castigo às gentes vaidosas e prepotentes, como um aviso de seu poder e/ou em proteção aos seus escolhidos. Esse episódio melhora consideravelmente o mistério em torno do 14.10, até chegar à cidade que pretensamente recebeu a mão piedosa do Deus que também é vingativo. Mas, mais do que isso, Axis Mundi remonta ao sofrimento terrível da mãe que se sacrificou pelo filho e a crenças que estão muito além da tradição judaico-cristã que permeia The Leftovers.
Então, o poder sobre-humano responsável pela leva de pessoas é inexplicável porque não descende de divindades traduzidas pelos homens que disseram ver a face do divino. É algo que provém de uma ancestralidade desconhecida, o que não desmerece as revelações que vão surgindo, como a que fez Patti na consulta com Laurie:

Patti: Aquelas vezes foram como tremores. Isso... Agora será de vez... Como se o mundo fosse acabar.
Laurie: Então me diga qual a sensação.
Patti: Como uma mão apertando meu peito e apertando o meu coração mais e mais forte; e ele não solta até que tudo se acabe.

Imagino que seja a exata sensação da mãe envenenada na beira do rio, com o filho recém-nascido no braço sadio, rio que séculos mais tarde secou e fez os peixes morrerem, além das meninas sumirem, seja propositadamente ou não.

Muitas outras questões são feitas nesse episódio, desde o que fez Kevin, Nora e o irmão irem à aparentemente abençoada cidade do Texas, até como o passarinho enterrado reviveu, passando pelo significado do senhor que sacrifica o bode na lanchonete ou daquele que construiu um forte pra vigiar a cidade e receber os avisos da sua destruição.

Episodio 2x2 - Nota 8.5 2017-04-07 23:54:19

Certamente doeu muito mais em Nora saber que, se tivesse à mesa, também teria partido. A filha acabou livrando-a disso ao derramar o suco e molhar o celular. Por isso mesmo é tão fácil compreender o porquê de ter a necessidade de ficar na cidade de onde não desapareceu ninguém. Só assim ela se sente segura com a família que formou com Kevin, a novamente doce Jill e a pequena Lily, que carrega o estigma do abandono. Não sei o que recairá sobre ela, mas algo deverá se revelar sobre a filha de Wayne.

O retorno de Patti é um presente. Pela atuação de Ann Dowd e pelo que significa para o personagem de Kevin que, a todo custo, tenta se livrar de um chamado inevitável, que não sabemos qual é. Sua ânsia em não sentir, não ouvir, é perturbadora, assim como aquela fixação na selva, que o faz parar, emudecer. Talvez esse inconsciente o tenha feito tentar o suicídio e talvez por isso mesmo o rio tenha secado, pra lhe dizer que não há modos de se livrar da vida até cumprir aquilo para o que foi designado.

Episodio 2x3 - Nota 9 2017-04-08 13:03:20

Ótimo a história de Laurie ter ganhado uma versão própria depois de tudo. É certo que depois de sabermos que perdeu um filho ainda no útero, entendemos que o impacto causado contribuiu pra que decidisse aderir aos Remanescentes Culpados, mas carrega em si a amargura de ter abandonado os filhos, principalmente Jill que apelou tanto pra que continuassem próximas, inclusive optando por estar também nos RC. Nesse episódio de renascimento, em que ela busca viver com uma luz própria e se afastar do que agora considera uma seita alienante e ultrajante, ela não consegue se desprender da sua culpa, a ponto de nomear assim o livro que escreveu, mas não suportou comercializar, fazer vendável, como o escritor que Nora enfrenta no evento sobre os desaparecimentos fizera. Tudo é muito trágico aqui, inclusive nos acontecimentos paralelos, da mulher que matou a família, da quase morte de Tommy, do recado vingativo de Meg, do atropelamento aos RC... Laurie vai aumentando sua culpa, inclusive quando decide fazer do filho o novo Wayne, em uma cena teatralizada.

Houve uma referência ao senhor da Austrália (aliás, sdds, Lost) e sua crença na própria ressurreição. Não imagino o que virá daí, mas as buscas já anunciadas pelo pai de Kevin anunciam um reforço ao misticismo que permeia todo esse evento.

Episodio 2x5 - Nota 9.5 2017-04-08 23:13:54

Claro que a história de Jó é a preferida de Matt. Os dois homens de fé que sofreram, mas não maldisseram a Deus, não o renegaram e, por isso, sobreviveram. Matt é o oposto de todo o resto, um crente em completude, um fervoroso defensor de um caráter religioso e, paradoxalmente, duvida que os desaparecimentos tenham sido o arrebatamento bíblico porque não condiz com a profecia. Apesar disso ele vê em Miracle a esfera sagrada, testemunhou isso e se dispôs a enfrentar aqueles que duvidam. O homem que, pela fé, manteve a esposa bem cuidada, medicada, abandonou tudo que tinha para encontrar o missionário de Miracle que conheceu no Brasil, de onde é a bandeira que estava na frente da barraca onde conseguiu o dinheiro para entrar novamente na cidade. Pela fé, ajudou o menino que roubara suas pulseiras e livrou o infeliz do acampamento da pena que sofria. É das histórias mais inspiradoras de The Leftovers, apesar de certa expressão de obsessão em alguns momentos, menos pela característica do apego religioso e mais pela predisposição em esperar coisas boas no meio de tanta tribulação.

Episodio 2x6 - Nota 9 2017-04-09 15:00:52

Quanto misticismo esse episódio trouxe a partir das mulheres. E, num geral, Leftovers é também uma história de mães que sofrem com a perda ou buscam não perder seus filhos. É assim inclusive com Mary, que se manifestou apenas duas vezes nesses três anos: quando gerou o filho e quando pediu a Matt pra salvá-lo. Nesse passo se constrói a história de Nora e toda a sua angústia em buscar uma negativa conclusiva sobre ser a razão do desaparecimento dos filhos. Ela corre em busca de se provar inocente, mas não consegue esconder o medo que a assombra sempre que lembra os eventos. Nesse momento da série, tudo aponta pra ela realmente. E podem ser as coincidências que flutuam como evidências de culpa sobre nossa cabeça quando estamos impressionados com algo ou ela é de fato a lente sobre a qual falam. É interessante notar como tanto a ciência quanto a religião apontam isso, desde que tentam comprar sua casa por uma “questão geográfica”.

Sua conversa com Erika evidencia suas mágoas guardadas por não saber, não ter certeza, nem física nem metafísica, sobre os acontecimentos. É a Erika que cabe a sinceridade sobre o que sente, quem confessa sua descrença numa esfera misteriosa anos antes do 14.10, mas a história da avó sobre passarinhos que não morriam quando enterrados em caixas naquelas terras de Jarden, desperta sua atenção para o que não pode explicar, mas testemunhou. Agora, entre desaparecimentos e passarinhos mortos, entre os avisos do pai e as cabras sacrificadas, volta a negar o dom que supostamente habitava Miracle.

Não é à toa que Norma e Kevin se aproximaram, os dois sensíveis a esses aspectos que não querem reconhecer, contra os quais lutam. É tocante o modo como ele fala de Patti depois de passar por tantas agonias solitárias que tanto indispuseram os dois. Agora, resta saber por que ele errou, segundo Patti, ao fazer isso, se ela mesma criticou o amor dos dois enquanto sustentava suas experiências em segredo.

Episodio 2x7 - Nota 10 2017-04-12 17:12:02

Tantos fatores em consonância não podem ser coincidências inocentes: quando o pai de Kevin disse estar curado, se dispôs a ir à Austrália não por escolha própria, mas porque assumiu a vontade das vozes. No mesmo lugar onde mora o misterioso David Burton para quem “Edward do pilar”, como identificou Virgil, escreveu. Quando o pai supostamente se cura (mas isso partiu de uma aceitação e não de uma negação), Kevin não consegue mais se enganar sobre seus contatos com Patti e vê que qualquer tentativa de fuga apenas o aproxima dela. Mesmo que o misterioso senhor que o encaminhou ao suicídio e parecia saber de todas as experiências místicas de Miracle, inclusive que Erika enterrava os pássaros pra testar a história da avó, o tenha enganado sobre ressuscitá-lo, soube descrever Patti e ver as estranhas presenças junto a Nora e o próprio Kevin. Então não se trata de um mero charlatão ou louco que decidiu condenar alguém à morte. Parece realmente que ele tinha um propósito e que escolheu Kevin pra concretizá-lo “do outro lado”. Mesmo assim, a terra/entidade que livrou Kevin do suicídio uma vez, pode novamente fazê-lo.

Episodio 2x7 - Nota 10 2017-04-14 15:04:58

Adorei o texto! Vou acompanhar as reviews da nova temporada. Obrigada, Douglas. Eu fiquei super inquieta com esse detalhe da torta na série, mas não consegui estabelecer nenhuma relação fundamental disso com os demais eventos... E essa reflexão junto à Divina Comédia é ótima ^_^

Episodio 2x8 - Nota 10 2017-04-12 20:56:52

Aconteceu então a Kevin, o mesmo que ao homem da Austrália. Ele ressuscitou depois de uma batalha espiritual. É a explicação cristã para o retorno de Jesus após a crucifixão: ele teria ido a um mundo desconhecido, lido como o inferno, pra recuperar as chaves da liberdade do povo e a sua própria. Em outra mitologia antiga, a de Perséfone, ela é raptada ao reino de Hades e avisada de que não poderá comer naquela terra sob o risco de ali ficar presa. A derrota selaria Cristo no inferno, a comida selaria Perséfone no Hades. É o que acontece a Virgil e é por isso que a sósia de Patti recusa beber. Mais interessante é que o modo de sair desse mundo sobre-humano para o humano deve ser a turbulência, os tremores que Patti referiu a Laurie. E então vamos entendendo quanto a personagem revela sobre o universo de The Leftovers. Ela é essencial pra compreendermos as bases dele, mas também pra vermos como as pessoas buscam incansavelmente uma salvação e um resgate, mesmo que estejam presas a coisas e/ou sentimentos. Toda a ânsia de Patti pra se manter em desapego e fundar os RC reflete sua predisposição pra sentir aquele universo “sagrado” e, como não sabia explicá-lo, se mantém em um estado de desespero até que acontece o 14.10 e passa a lembrar as pessoas o que elas querem esquecer: que o afeto que lhe consola pode ser a arma que lhe agride, maltrata, aterroriza.

Patti ansiava sair dos dois mundos pra se sentir realmente livre. Mas é mostrado que não poderia suicidar no submundo. O irônico é que o mesmo Kevin que a salva do afogamento na piscina, é responsável pela sua segunda morte, afogando-a no poço. Resta saber o que acontecerá a ela. Porque, como foi dito pelo homem que tentou dissuadi-lo de matá-la, tudo aquilo “é mais real do que nunca” (e eu entendo evitarem as comparações com Lost, mas nesse momento elas são necessárias e evidentes, inclusive com relação aos Isaac e ao Axis Mundi). Não é coincidência que Kevin deve ir ao poço de Jarden, onde no mundo do qual saiu fica o parque de Miracle. Aquele, como o lugar onde o australiano ressuscitou, deve ser um dos eixos do mundo (daí o título do 2x01) que pode comunicar as duas esferas mais fortemente. O mesmo lugar onde está o poço (construído por um grupo indígena que, suspeito, tenha feito isso pra se livrar ou mandar o filho da mãe envenenada pela serpente àquele submundo), é onde as meninas desaparecidas nadavam, onde Kevin tentou se matar (afogado... o que Patti sabe que não funciona).

Episodio 3x1 - Nota 10 2017-04-22 18:02:35

Entre a fé e a dúvida, a certeza de que algo está para acontecer a partir de uma esfera sobrenatural, em paralelo à certeza oposta, as pessoas se recobrem em seus próprios anseios e acabam por imergir na crença ou no ateísmo conforme seu espírito/consciência se amedronta. A religião e sua negação provêm de uma necessidade de se salvaguardar da morte, o instinto primeiro, no fim das contas, a essência de tudo. Por isso, entregar-se a ela cabe a duas condições básicas: o completo desengano e o sacrifício feito por amor e/ou missão (a deuses, causas ou pessoas). Kevin flerta com ela pela curiosidade, porque busca respostas que também teme (re)conhecer, em um submundo que finge esquecer justamente pra se preservar da imagem de louco, alienado pela crença dos fracos.

Há, portanto, ao contrário do que se pode concluir numa primeira vista, não a insistência na crença (porque a fé não se explica nem permanece diante de uma determinação pessoal... a fé verdadeira – não aquela que é maquiada como uma simples consolação – brota, é inspirada por algo maior, essencialmente inexplicável pela lógica humana), mas uma teimosia pela descrença, advinda da decepção diante de tudo. Kevin teima em não acreditar, mesmo sendo constantemente chamado. E, aqui, eu imagino que The Leftovers está além das conclusões facilmente aceitáveis de que ele seria um esquizofrênico ou um homem tomado pelos seus próprios fantasmas, criados para que o consolassem diante de tudo. A série se alimenta pelo mistério e há uma explicação possível para ele: o sobrenatural estaria contido na natureza, a maior força de todas. Justamente ela, manifestada em fenômenos adorados desde os primeiros tempos da humanidade, a deusa primeira.

Esse episódio realmente faz renascer toda aquela sensação de que o passado guarda o segredo e tudo que acontece no presente é o cumprimento do que foi predito, como se as coisas tivessem uma trajetória definida, uma teia de espaços e tempos, estando todos os elementos ligados, “tudo poeira de estrela”, já diz a popularizada definição da física. Assim, os RC são a continuidade da fé desiludida da mulher que esperou o arrebatamento. E, paradoxalmente ao aviso bíblico, claro em tantas passagens, de tempos em tempos seus próprios crentes tentam prever o arrebatamento, o início do reino de mil anos, a vinda do anticristo e o apocalipse. Segundo a mitologia, apenas Deus sabe esses dias. Nem o Cristo. E, consequentemente, nem Kevin, aquele de quem Matt acha que é o profeta, tal qual João Batista foi de Cristo.

Quanto a Dean, durante muito tempo achei que ele seria um aviso a Kevin, o elemento que despertaria sua curiosidade acerca do mistério. Custa acreditar que o fim dele será o tiro na cabeça, assim como não foi o de Virgil, pelo menos não no mundo que Kevin visitou. Sobre Nora mudar de nome, Sara foi a mulher de Abraão, que também mudou de nome depois que Javé fez a promessa sobre a descendência do casal ser tão numerosa quanto as estrelas do céu. Seria um insulto de Nora à crença fundacional do livro que promete o arrebatamento, já que ela aparentemente está só? A história de Sara e Abraão é repleta de sinais e explica muito do que a tradição judaico-cristã se torna. Se o nome dela realmente for uma referência a isso, nossa cabeça ferverá um pouco mais, rs.

Episodio 3x1 - Nota 10 2017-04-22 18:11:33

"E na cena final de novo quando Nora do futuro (?) aparece e na mesma hora roda um filme de 3 horas de possibilidades na minha cabeça, mas tudo em menos de 10 segundos..."
Exatamente a minha sensação, heuheue

Leftovers traz tanta dúvida sempre, que a cabeça ferve mesmo! O que eu acho muito interessante e depois eu sinto que vou rever a série só pra focar meu olhar nessa abordagem, é o papel das mulheres/mães. As três temporadas começam com personagens desse perfil. Todas perdem seus filhos. Pode ser uma metáfora sobre a divindade materna da natureza que explicaria todo o mistério, já que seria a própria natureza (gestação e transformação) o começo e o fim de tudo.

Episodio 3x1 - Nota 10 2017-04-22 18:24:23

Besta com a teoria sobre Lily. Faz muito sentido e só levanta mais a curiosidade pra saber seu paradeiro.

Episodio 3x2 - Nota 9 2017-04-27 17:39:46

Nora se esforça para negar qualquer possibilidade de crença em explicações sobrenaturais a tudo que aconteceu. Parece que a ouvimos dizer, a todo instante, aos que, como Matt e John, creem no caráter bíblico do evento: "Não seja ridículo". E parece que a ouvimos dizer a si mesma, mais intensamente nesse episódio. Por receio de cair no que sempre concebeu como ridículo, talvez por não aceitar a existência de uma divindade que fez seus pais arderem nas chamas de um incêndio em sua própria casa, ela passa a agir com um tom inequivocamente irônico. Diante de qualquer referência a esse sobrenatural, tem um prazer inequívoco ao revelar as farsas, é movida em um sentido completamente diferente do irmão pastor, embora tenha um traço próximo: o desespero que beira o fanatismo quando defende sua explicação sobre o 14.10. Ela é desesperada para negar inclusive ser uma lente porque não suportaria ter sido uma espécie de ímã para a desgraça que se abate sobre sua família desde que era criança.

Quando parte ao encontro de Mark-Lynn Baker, não sei ao certo o que ela mais anseia: se é o vislumbre dos filhos ou provar que qualquer tentativa de aproximar os deixados com os que foram levados, mesmo embutida em uma explicação científica, é apenas um embuste. A única aproximação dos filhos, pra ela, é a memória dos que partiram e o encontro furtivo com sua sempre Lily, a criança que faz a pergunta tão perturbadora: "quem é você?", mas que poderia ser "qual é o seu papel?". São exatamente as respostas que ela foi buscar no hotel e na Austrália. Entre isso tudo, paira a impressão de que a cética Nora, que sabe muito bem o que é querer experimentar morrer, não é tão cética assim.

Ela é chamada a dois lugares aqui e tudo é facilitado e/ou encaminhado para que chegue a eles, ao hotel e à Austrália. Em contraposição, quando escolheu ir ver Lily, o gps se nega a mostrar o caminho, assim como o totem a forçava a lembrar seu(s) bebê(s) (ou anunciava o que Kevin pediu) e como a trava na saída do estacionamento. Nora insiste em desviar de seus destinos, insiste em não ceder ao misticismo dos supostos sinais, briga com eles, aquela que queria remendar a lembrança do seu pior drama com o símbolo do renascimento, a fênix. No hotel, Mark-Lynn lhe fala de um alfaiate. Ele veste o mesmo modelo que Kevin, em International Assassin e começa a falar de algo que Nora imediatamente identificou como um processo de incineração... seria sua missão matá-la no submundo ao qual ela acessaria mais facilmente em um dos "axis mundi", nesse caso, a Austrália?

As mulheres australianas precisavam tentar matar aquele Kevin pra provar que ele não morreria e, seria assim, o messias do livro de John (de novo, um João)? Todo aquele ambiente é essencialmente uma caricatura, é estereotipado: o canguru, a placa de 666, o sadismo em amedrontar um comandado, o fanatismo das amazonas, a trilha sonora imprimindo um caráter fantástico... É muito para se pensar, mais do que estamos acostumados a ver em Leftovers porque esses últimos minutos não servem pra encaminhar nenhuma explicação, diferente dos prólogos da temporada passada e desta.

Episodio 3x2 - Nota 9 2017-04-27 17:51:38

Eita, essa coisa da roupa branca e do cigarro perturbam... a série deu sinais sobre Evie e não quisemos enxergar :O sem falar que aquele caráter cético e irônico de Meg se aproxima de Nora sim. Tu viu mais alguma teoria sobre?

Episodio 3x2 - Nota 9 2017-05-01 21:00:06

eu até tava disposta a ir atrás de algumas, mas depois desse terceiro episódio, desisti completamente... quero ver tudo na completa ignorância do que se pretende, heuehue

Episodio 3x3 - Nota 10 2017-05-01 20:46:12

Novamente, a Mãe. A dor da mãe que perdeu seus filhos (o Messias tinha mesmo que ser um homem dessa vez?). Quando parece que nenhuma história pode chocar mais do que o próprio "arrebatamento", eis as crianças mortas por saírem em busca dos pais, abandonadas aos totens dos outros. É o choque de uma realidade que tenta afastar a crença na piedade divina, sendo os crentes provados até suas forças se esvaírem, à própria sorte para que sejam testadas em sua sanidade, o altar particular de cada um.

A história de Grace (aliás, QUE ATUAÇÃO!) sendo contada logo depois que soubemos como apelidaram Nora, de "amaldiçoada", é uma ironia diante de tudo, inclusive da Graça que se sugere no nome de mais uma mulher que perdeu tudo. Ela, que se culpa por ter acreditado, pois teria salvado suas crianças. As duas, agora, procuram falar com elas. Curiosamente, Nora está ao lado do que Grace procura e Grace está no lugar para onde Nora vai. Com isso tudo, custa muito acreditar que os homens protagonizarão essa reta final de narrativa. Agora, Kevin Sr e Matt parecem apenas presunçosos, supostos neo-evangelistas perdidos em suas vaidades. Mas é essa a história no cristianismo. A Mãe perde seu Filho e ela não tem voz própria, sua dor é legada a segundo plano, ela é aquela que chora aos pés da cruz onde sua cria morreu. Igual Grace em seu próprio Calvário.

No mais, é curioso como, diante de tanto desengano que pode ser tomado como sinal de que a fé no arrebatamento é vã (apesar do mistério permanecer em si mesmo), a crença de Grace e de Kevin Sr se manteve, reavivada pelas histórias compartilhadas no final. Esse episódio foi de uma riqueza de metáforas e simbologias que Leftovers acertou muito em fazer pela série inteira, tudo elevado por essa fotografia fantástica < 3

Episodio 3x3 - Nota 10 2017-05-01 20:55:53

é verdade... o Dilúvio não faz mais sentido nem dentro da mitologia judaico-cristã... segundo ela, não aconteceria outro.

Episodio 3x4 - Nota 10 2017-05-10 09:46:51

Um dia a pose de Nora frente aos experimentos que visam uma aproximação com os levados seria desnudada e mostrada como é: a autodefesa diante do medo que tem de sentir, por mais levemente que seja, a esperança de entender o que houve com seus filhos e então se perdoar da culpa que alimenta por eles terem desaparecido. Não é à toa que transfere a mágoa de terem buscado Lily a Kevin: não podia sustentar mais um desengano, o de ter se permitido adotar a menina que lhe fora uma bênção na fase de desespero, lhe acalentou e lhe deu a perspectiva de uma nova família a ser formada no único lugar de onde não tinha desaparecido ninguém no 14.10. Quando se deixa levar pela promessa de Wayne, que tiraria dela as dores, recebe o choque da lembrança que os RC montaram e, em seguida, encontra Lily, a filha do homem que a enganou quando se permitiu acreditar e assumir essa fragilidade.


A Nora que não consegue deixar de acalentar o filho de uma estranha jamais aceitaria sacrificar um bebê pra qualquer fim e, quando tenta encontrar uma lógica que enxerga cientificamente como mais bem-vinda e compatível com o intuito das físicas, só reforça o quão desesperada está pra colocar em prova sua dúvida. Ela nega a si mesma pra ter a resposta. Mas é justamente outra dúvida, a de Kevin, que ela não entende ou aceita, assim como não tem coragem de dividir com ele a sua própria. Talvez ele morra por causa disso, se todos os Kevins forem errados e o livro de Matt e John não passar de fantasia, loucura, não fé (o contrário do que está escrito no único exemplar – que não é bem o único). Nora não foi recusada porque existe uma resposta exata para a pergunta que Kevin Sr também respondeu naquelas paragens desertas, mas porque recusou admitir sua própria verdade e, enquanto não se dispuser a isso, continuará legada à máscara que não lhe permite assumir o choro disfarçado no pequeno dilúvio causado pela profanação ao livro que ela despreza, justamente no momento em que uma explosão impedia a decolagem do voo que levaria Kevin de volta à sanidade vigiada, à segurança de Miracle, onde viu Evie pela última vez.

Esse episódio me impactou mais pela solidão que, antes disfarçada de discrição e autopreservação, agora se explicita em toda cena, em Kevin e Nora assumindo entre eles a incapacidade de cumplicidade plena, mesmo tendo compartilhado os momentos tão angustiantes pra cada um desde que se reconheceram. Quando Kevin Sr pergunta ao filho se ele está só ali e ouve uma confirmação, aquilo soa menos como desespero e mais como ingratidão diante de tudo, mesmo ele acreditando que suas experiências são reais enquanto Nora nunca acreditou na possibilidade delas. Kevin não deixa de se importar, Nora também não. Mas a obsessão de se porem à prova é maior, assim como seu medo de estarem respectivamente certos. Se o resultado disso for diretamente a amargura de Nora enquanto captura os recados dos pombos, ele é absolutamente triste.

Episodio 3x5 - Nota 10 2017-05-16 04:25:16

A passagem no Antigo Testamento em que Deus livra Daniel dos leões, entre as numerosas menções ao exercício da fé na tradição judaico-cristã, é das mais perturbadoras, pela singularidade, pelo enfrentamento da própria dúvida que pode ter riscado sua mente por um instante. Não estaria entre as mais grandiosas, não é nenhuma passagem pelo meio do mar, mas ela é essencialmente sobre um homem encarando sua própria capacidade de acreditar na potência divina e na sua eleição como um servo pelo qual valia a pena esse ser divino demonstrá-la. É curioso que Matt esteja lendo Daniel no avião e, ainda na barca, tenha recebido o aviso da moça, que o livrou de correr o perigo de ter a cabeça devorada pelo descendente de Frasier. Matt é como Daniel: único crente enquanto todos duvidam, até que foi confrontado. Antes disso, Matt já referira Jó e as provações pelas quais teve que passar, inclusive tendo sua saúde atingida, mas sem maldizer ao seu deus. No meio do desespero, do enlevo da loucura, ele racionaliza. E racionalizar, até duvidar, não quer dizer deixar de acreditar.

Entre a caricatura de Sodoma e Gomorra, o leão é o símbolo do mistério, ele ilustra a irritação e a fúria, o instinto do animal faminto traduzido na mística do castigo quando David Burton profanou a experiência pela qual passou, quando a sobrevalorizou, quando se intitulou deus e se travestiu de onipotência, ele mesmo envolto pela megalomania a partir do que imaginou ser exclusivo (Matt, idem). É certo que frequentou o hotel e aquele (sub)mundo antes e provavelmente bem mais vezes que Kevin, inclusive interagindo com ele, afirmando o quão aquela experiência era real (International Assassin) e, depois, mostrando o caminho para que voltasse ao mundo de Miracle (I live here now). Assim como é certo que todos esses fenômenos estão muito além da aleatoriedade. Se remontam a uma esfera de poder incompreensível ou à própria expansão da consciência entre alguns indivíduos (ou uma junção disso, rs), talvez saibamos quando virmos o que Grace e Kevin Sr fizeram ao outro provável messias, principalmente pelo olhar de Laurie e desse "novo" Matt.

Esse episódio é tão rico de significados em tantos momentos, em tantos olhares, que uma revisita a ele é obrigatória, pra mim, e eu tenho certeza que perceberemos novos sentidos ao dito e ao não-dito cada vez que o revisitarmos. Uma das coisas mais importantes nele é a negação que Burton presta ao pilar, à base do cristianismo e da fé de Matt, que é a ressurreição de Cristo: “ele tinha um irmão gêmeo, foi esse irmão que viram depois de três dias”. A partir disso e do próprio enlevo, a consciência do pastor pode ter simplesmente estralado em negação ou em confirmação: se Jesus não era o Salvador e deus se diz no homem de boné vermelho que não estava dando a mínima atenção a ele, toda sua noção de verdade cairia por terra, se realmente tiver levado em conta a palavra daquele que foi perseguido pelo leão. Mais que isso, Matt pode ter conseguido fazer a autocrítica como quem sempre se achou o porta-voz de Deus, porta-voz da verdade e, ao olhar um espelho em Burton, sua fé é imediatamente acompanhada pela decepção consigo.

A essa altura da série, a própria máxima de “deixar o mistério ser” vai desnudando qualquer perspectiva de estabilidade mental/espiritual possível (mesmo a cética Laurie se intriga quando a turbulência acontece ao zombar de Deus, heuheue) e reforçando o caráter de subjetividade que nossa ânsia por decifrar, decorrente da nossa incapacidade de não duvidar, traduz como a mística primeira, aquela que dotou a todo povo, paradoxalmente, da capacidade de crer. Essa capacidade provoca o instinto de equilíbrio que consola a perda, diante da morte, da Partida. Toda força, toda construção de sentidos, em nós mesmos, gerada ou integrada a nós mesmos e em toda diversidade de significados provocada a partir daí.

Episodio 3x6 - Nota 10 2017-05-26 00:09:13

Para renunciar a si, Laurie buscou as respostas que a mãe de Sam também procurava. Buscou junto aos Remanescentes Culpados (essa denominação nunca fez tanto sentido quanto nesse episódio) e à liderança de Patti. Curiosamente, é também junto a Patti que Kevin assume suas ânsias, seus enlevos, não de loucura, esse estado tão estereotipado, mas de clareza. Não por enxergar e dominar a verdade, mas por se dispor a encontrar a sua própria, abraçá-la para além de toda lógica, inclusive da cientificidade de Laurie, de seu ceticismo entristecido, daquele que, diferente da crosta de frieza de Nora, não vislumbra nada além do vazio, do desinteresse em saber o que está depois da morte ou depois da partida. Para Laurie, é o presente que importa mais. Daí ela se distanciar da necessidade de entender o passado (como os outros personagens quiseram até certo ponto) e da perspectiva de um novo messianismo ou de um futuro que conserte a tragédia que o mistério trouxe (como os demais personagens querem agora).

Pra ela, se não há mais o que fazer no presente, se não se ressente mais da Partida, se encontrou, em si mesma, o sossego de ter feito o que pôde pra equilibrar as mentes dos que com ela toparam, se criou seus filhos e eles estão bem, se quer reafirmar que o aniversário de sete anos não significa nada além de mais uma lembrança triste de uma tragédia remota, restava morrer. E Laurie não morreu porque tinha nada, mas porque o que teve lhe bastou (em outros momentos e/ou para outras pessoas, todo esse processo poderia muito bem conduzir ao caminho oposto, aliás). Não lhe bastava quando tentou se matar no consultório depois de não saber responder à mãe de Sam. Nem quando vestiu branco, começou a fumar e quase morreu num incêndio provocado pela determinação em lembrar às pessoas as ausências naquele presente. Enquanto não encontrou suas respostas, Laurie não se entregou à morte (mais uma distância dos outros, que pretendem morrer para só então encontrarem suas respostas). Por ser essa personagem que, mesmo diante de suas próprias dúvidas, seguiu os caminhos que escolheu com absoluta lealdade a si mesma, sem criar um personagem alternativo (ela não fingiu ser o que não era ou tentou se enganar depois da Partida), quando decide desmantelar o giro de seu tanque de oxigênio e suicidar elegantemente, como sugeriu Nora, Laurie está absolutamente em paz. Não é guiada pela angústia ou pela expectativa, entende que não mais lhe cabe, nem a ninguém, o papel de quem estoura a bola diante de um ginásio eufórico. Ela só está pronta. Poderia ser pra seguir vivendo, bem resolvida e disposta, se o mundo fosse outro, sem aquele fatídico 14.10. Tristemente, numa das cenas mais marcantes e comoventes de Leftovers, foi pra morrer na imensidão de azul de onde todos nós viemos.

Episodio 3x7 - Nota 10 2017-05-29 16:19:30

O mundo só se acaba pra quem morre, diz o povo descrente do fim do mundo toda vez que alguma dessas profecias apocalípticas promete um abalo sísmico sem precedentes. Mas ele pode ir acabando na medida em que começamos a perder as pessoas. A morte do outro também pode ser um fim do mundo pra nós, embora os sábios aconselhem a esperar a superação ou a consolação, que o tempo traz, da dor. O mundo se acabou pra Laurie, em seu próprio afogamento. Insiste em permanecer pra Kevin, que morreu muitas vezes e nos fez entender que a questão agora não é mais se tudo vai acabar, mas se não acabou por causa dele e dessa necessidade de fugir de sua própria consciência e de seu próprio mundo pra ter coragem de se encarar.

Aliás, é só a partir das superfícies refletoras que ele pode transitar de um “corpo” a outro: através da lente dos óculos de Patti encontra seu gêmeo, justamente a partir do papel que foi associado a Nora, no 2x06, Lens. É a lente que pode tirar Kevin da letargia, da covardia, da solidão e talvez seja apenas por ela que ele encontra tanta vontade pra voltar pra casa, apesar da tendência suicida, apesar de matar a si mesmo, de se entregar a si mesmo, literalmente dilacerar seu coração (enquanto está consciente) pra dar fim a um mundo de confusão, de instabilidade, de sofrimento. Dar fim ao mundo para o qual fugia de si. Um mundo mais real possível, como disse o deus comido pelo leão, porque é a partir dele que tudo se resolve, onde os fantasmas são espantados de vez, onde é mais resoluto e onde tem que se deparar com a realidade de que pode controlar sua própria vida e tomar iniciativas, sem deuses buzinando em seus ouvidos, sem atiradores sedentos por uma missão, sem canções milagrosas que parariam o caos. Se tudo depende dele, resta ter coragem pra encará-lo, receber a ajuda indispensável, dispensar aquelas que o confundem. É o movimento inevitável para a emancipação.

Esse episódio, paradoxalmente a toda impressão de confusão, foi o da tomada de consciência e de controle, foi o da cura de Kevin (muito parecido ao que aconteceu com Matt), justamente a partir do momento em que ele não escuta a mais ninguém, apenas a si, levando em consideração não a crença dos outros, os papéis que os outros lhe atribuem, mas as responsabilidades que a vida lhe deu, inclusive pelos afetos e amores que o sustentaram, mesmo quando ele só queria sufocar e morrer. Quando toma pra si a leitura do livro que ninguém deveria ter escrito a não ser ele mesmo, entende que precisava se escutar (“você acredita nisso?”, perguntara Sunday), mesmo sem ter lembrado que escreveu aquilo. A última página é como o apelo que nossa consciência faz em momentos de crise, provocada justamente porque não a ouvimos antes. Ele devia ter ouvido antes que sua felicidade estava em Nora. E agora, tendo explodido o mundo pra onde foram os que partiram, acabou mais uma vez com a expectativa que ela tinha de reencontrar seus filhos. O caminho pra esse outro mundo foi encerrado quando ele tirou a chave do seu próprio peito e sacrificou Nora, mais uma vez (ou a curou também, quebrou sua maldição... veremos isso na finale, rs).


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